Medida foi apresentada durante encontro na sede do Centro de Dirigentes Lojistas de Juiz de Fora, para empresários
Juiz de Fora, MG – A Polícia Militar de Juiz de Fora apresentou, na última quinta-feira, 29 de maio, a empresários e comerciantes do centro da cidade um novo modelo de acompanhamento para a população em situação de rua, gerando debates e levantando preocupações sobre os direitos humanos e a eficácia das políticas públicas. A iniciativa, que prevê o uso de um aplicativo gratuito para monitorar, fotografar e entrevistar pessoas em situação de rua, levanta mais perguntas do que respostas. É importante ressaltar que, em nível nacional, a situação é alarmante: mais de 335 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil, segundo dados da Agência Brasil, com um aumento de 25% em um ano, evidenciando a urgência de políticas públicas eficazes e humanizadas para essa população. Em Juiz de Fora, um censo recente (maio de 2023) apontou que 805 pessoas estão em situação de rua, um aumento de 110% nos últimos seis anos na cidade.
Durante o encontro, que contou com a presença de vereadores, autoridades do executivo municipal, Ministério Público e Judiciário, a corporação focou na atuação de pessoas em situação de rua em algumas localidades, sugerindo uma ligação entre essa população, dependência química e criminalidade, sem, no entanto, apresentar dados comprovados que fundamentem tais afirmações. Chama a atenção a ausência de questionamentos sobre a atuação de traficantes ou a efetividade de políticas de prevenção contra furtos na cidade, desviando o foco do problema para a vulnerabilidade social.
O “aplicativo” e a ausência de proteção de dados
A falta de informações sobre a política de proteção de dados e o uso de um aplicativo não oficial para este monitoramento são pontos cruciais que geram apreensão. A coleta constante de entrevistas, abordagens e fotografias, sem a devida transparência e salvaguardas legais, pode configurar uma violação da privacidade e dos direitos individuais dessas pessoas, já tão marginalizadas pela sociedade. Entre os pontos apresentados pela PM está a **abordagem dessas pessoas, incluindo seus nomes em um sistema de dados gerenciado pelo Trello e compartilhado entre agentes de segurança pública**. Essa prática levanta sérias questões sobre a finalidade e a segurança desses dados, especialmente considerando a vulnerabilidade da população em situação de rua.
Questionando a humanização: PM em desacordo com o STF

A apresentação da PM também demonstrou um posicionamento crítico em relação a leis que visam a humanização da vida das pessoas em situação de rua. O comando questionou a disponibilização de bebedouros e banheiros públicos, além de leis que proíbem o recolhimento forçado de materiais dessas pessoas e o transporte obrigatório para outras localidades. Essa postura contraria determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem se posicionado reiteradamente em defesa dos direitos dessa população.
O STF tem proibido práticas como a arquitetura hostil – o uso de elementos urbanos para afastar pessoas em situação de rua de determinados espaços –, o recolhimento forçado de pertences e o transporte compulsório para outras regiões. A Suprema Corte entende que essas ações violam a dignidade humana, o direito à moradia e à liberdade, além de perpetuarem a invisibilidade e a exclusão social. A decisão do STF busca garantir um tratamento mais humano e respeitoso a essas pessoas, reconhecendo sua condição de cidadãos com direitos.
Ao focar a discussão na suposta criminalidade e dependência química da população em situação de rua, sem apresentar soluções ou políticas públicas efetivas para essas questões, a iniciativa da PM corre o risco de reforçar estigmas e marginalizar ainda mais essas pessoas. Ações de prevenção, tratamento de dependência química e reinserção social são essenciais para lidar com o problema de forma humana e eficaz, e não apenas o monitoramento policial. Em Juiz de Fora, por exemplo, 59,5% da população em situação de rua apresenta dependência de álcool e outras drogas, e 48,2% indicam o emprego como principal necessidade para sair das ruas, dados que reforçam a necessidade de abordagens sociais e de saúde, e não apenas de vigilância.
Ainda que a intenção seja a segurança da população, é fundamental que as ações sejam pautadas pelo respeito aos direitos humanos e pela busca de soluções abrangentes para os problemas sociais. A quem interessa um monitoramento sem garantias, que ignora as decisões da Suprema Corte e desvia o foco da verdadeira questão social?
O Ministério da Justiça criou uma cartilha com informações sobre o assunto, com sobre o tratamento das organizações de segurança em relação aos que vivem em situação de rua, para ter acesso: Clique aqui e leia